terça-feira, 20 de agosto de 2019
CAÇA OU PESCA
CAÇA OU PESCA?
Nivaldo Melo.
1
No sábado logo cedinho
O Zé Raimundo acordou
Chamou seu filho mais velho
E para ele assim falou:
O dia já amanheceu
Eu quero comer um cutêu
Vamos logo por favor.
2
Vá na cozinha e pegue,
O bornal e as soca, soca,
Vamos pegar um cutêu
Antes de sair da toca
Chame o cachorro pintado
Pois ele é o mais danado
E qualquer briga ele topa.
3
No bisaco você coloca
A rapadura e farinha
Ponha um pedaço de queijo
Do que tá na camarinha
Melhor que esse eu duvido
É o que está mais curtido
Ponha a faca na bainha.
4
Depois pegue os dois jegues
O cupim e o pastor
Nós vamos beirando o rio
Pois tá fazendo calor
Com a quentura que tá
Vamos ter que nos banhar
Leve pinga por favor.
5
A pinga que vamos levar
É de cana de qualidade
Tirada do lambique
Que não tem lá na cidade
Espero que não esqueça
Aguardente de cabeça
Vamos beber só metade.
6
Leve também as laranjas
Pra servir de tira-gosto
Um taco de fumo grosso
Pra espantar os encosto
Porque quem vai para o mato
Tem é que ter um bom tato
E não ficar muito exposto.
7
Vá dizer pra sua mãe
Ela já foi lá pra o roçado
Que vamos pegar o cutêu
Vamos trazer ele assado
Que não faça alvoroço
Que bem antes do almoço
Espero já ter voltado.
8
Enquanto você vai e volta
Eu vou pegar dois caniço
Com os anzóis de barbela
Pois pescar pra mim e viço
E se o cutêu escapar
Nós vamos ter que pescar
Pra evitar reboliço.
9
As iscas vamos cavar
Lá na beira do riacho
Pois ali tem muita lama
Vamos ter isca de cacho
Muita minhoca ou gogo
Aqueles da cor de fogo
São os melhores; eu acho!
10
O filho logo voltou
Pelo jeito bem cansado
Foi e voltou correndo
Estava muito soado
Vamos agora pai José
Eu quero ver como é
Pois tou ficando bolado.
11
Bolado por que meu filho?
- Porque não sei como está
Se vamos caçar cutêu
Ou se nós vamos pescar,
O que a gente tá levando
Mesmo o dia acabando
Não vai dá pra devorar.
12
Pode ficar bem tranquilo
Já estou acostumado
Eu caço ha mais de 20 anos
Tatu, cutêu e veado
E não vou esmorecer
Antes do sol se esconder
Tamos de volta; arranchados.
13
Então podemos partir
Falou assim o rapaz
Vamos fazer o caminho
Sem nem olhar para trás,
A mãe falou: vão, que Deus
Protege os caminhos seus
Lhes livra do satanás.
14
Saíram os dois de casa
Bem antes das sete horas
Cada um montou um jegue
Nem usaram as esporas
Os burros foram trotando
Um bom caminho traçando
Antes do romper da aurora.
15
Saíram muito bem dispostos
Para aquela aventura
José o pai do rapaz
Era boa criatura
Respeitado no local
Por ser um cara legal
E tinha boa cultura
16
Contava boas histórias
Principalmente de caça
Falava; não cobro nada
Histórias conto de graça
Nunca digam que é mentira
Pois se entro numa intriga
A bosta vira fumaça.
17
Falou pra o filho assim
Eu vou te contar um causo
Que comigo aconteceu
Um dia saí pra o mato
Só pra pegar um Cutêu
Andei quase o dia inteiro
Quando cheguei no lajeiro
Foi que um bicho apareceu
18
Ouvi apenas o zumbido
Vindo do meio do mato
Saí virando o arbusto
Pra encontrar o buraco
Quando estava abaixado
Senti um vulto a meu lado
Era um bicho abstrato
19
O animal estava ali
Garanto isso a você
Como ele era abstrato
Ninguém o podia ver
Então saquei do trabuco
Dei um tiro no eunuco
Ouvi choro de um bebê.
20
Era um bebê abstrato
Filho do abstrato grandão
Que veio socorrer o filho
Pra ser sua salvação
Acho que ouviu o grito
Eu fiquei foi muito aflito
Não teria salvação.
21
Então entrei num buraco
Que vi bem próximo dali
Sabia se me encontrasse
Por certo ia sucumbi
Fiquei mesmo camuflado
Jamais seria encontrado
Nem pelo pai ou guri.
22
Esperei foi muito tempo
Até que fossem embora
Rezei um terço todinho
Pedi pra Nossa Senhora
Por favor peço ajuda
Espero que me acuda
Senão eu morro agora.
23
Logo que eles se foram
Sai rápido do buraco
Fui correndo para casa
Para fugir dos macacos
Até hoje eu não sei
Como foi que escapei
Dos gorilas abstratos.
24
Depois que o velho contou
Essa história para o filho
O jovem riu escondido
Para não sair dos trilhos
Mas devido ao respeito
Nunca teria o direito
De criar um empecilho.
25
Ficaram um tempo calados
Dali não saia ação
É bem melhor se calar
Pra manter a relação
Pai e filho nem se olha
Só pra manter a história
E preservar a união.
26
Andaram mais meia hora
Quando viram uma cutia
É fêmea; ninguém vai matar
Porque ela é quem procria
Só os cutêus nós abate
Se não tem então nós parte
Vamos pra outra freguesia.
27
Foram pra beira do rio
Amarraram o pintado
O cão ficou logo alerta
Com o rabo levantado
Pronto; agora é um cutêu
Pintado já conheceu
Êta cachorro arretado!
28
Acho que não é cutêu
Esse rastro é de veado
Aí ficaram contentes
- Pra nós isso é um achado
Vamos seguir o cachorro
Subindo e descendo morro
O bicho vai ser encontrado
29
Correram quase uma hora
Atrás do animal campeiro
Se matassem aquele bicho
Iam ganhar bom dinheiro
- Tua mãe vai é gostar
Temos carne pra o jantar
Amanhã o dia inteiro.
30
Pararam pra descansar
Nem viram o dia passando
Cada um bebeu um trago
E voltaram caminhando
Ouviram um grito danado
Era o cachorro pintado
No meio do mato uivando.
31
Correram na direção
De onde vinham os latidos
Viram rastro dos cutêus
Na toca, bem escondidos
Isso é mais de um cutêu
O filho disse é meu
Favor não fazer ruídos.
32
Vou meter a mão na toca
E tirar o bicho vivo
Um nós come com a mãe
O outro levo pra o Ivo
Depois nós volta pra casa
Botar o cutêu na brasa
Esse com gosto eu salivo.
33
Meteu a mão no buraco
Sentiu que não era fundo
Nem vai precisar cavar
Pego eles num segundo
Vou pôr o ouvido no chão
Para ouvir a vibração
Traz o cão seu Zé Raimundo.
34
Pra onde foi o pintado?
- Entrou na toca; eu vi.
Estava só esperando
A hora dele sair
Acuando a nossa caça
Pois ele é um cão de raça
Vai calado sem latir.
35
Então ouviram um latido
Bem ali por atrás do mato
Foram ver, era o pintado
Tava brincando com o gato
- É a gatinha Matuta!
Cachorro, filho da puta
Se vens aqui eu te mato!
36
Olharam para o buraco
Era apenas uma passagem
Que os cuteus tinham feito
É assim que elas agem
Pra enganar caçador
Que pensam que são doutor
Com eles perdem a viagem.
37
Resolveram então voltar
Daquela caçada estranha
Estavam os dois cabisbaixos
Numa tristeza tamanha
Cada um em seu jumento
Seguidos pelo cão ronhento
Saíram então da montanha
38
Vamos voltar para casa,
Mas antes vamos pescar
Temos que levar os peixes
Pelo menos para o jantar
Mas antes que isso aconteça
Espero que não eu esqueça
Tenho algo pra contar.
39
O senhor se lembra do dia
Que eu pesquei um peixe só?
Fui sozinho pra pescaria
Seguindo os conselhos da vó
Foi ela quem me ensinou
Com ser bom pescador
Pra pegar peixe maior.
40
Melei meu braço de lama
Fiz com o dedo um anzol
Coloquei dentro do rio
Eu queria um peixe só
Então fui abençoado
O peixe já veio assado
Como falou a vovó.
41
Quando vovó me ensinou
Pensei que estava brincando
Mas seguir o seu conselho
Nem estava acreditando
Pegar peixe com o dedo
Só se é peixe de brinquedo
É verdade; estou falando.
42
O Raimundo sentiu que o filho
Tinha aprendido a lição
Histórias de pescador
Será de verdade ou não
Passariam no mercado
Comprariam um peixe assado
Estava feita a refeição.
43
Os dois chegaram em casa
Mesmo em cima da hora
A velha estava esperando
Juntamente com a nora.
- Para evitar um conflito
Já pescamos o peixe frito
Vamos comer todo agora.
44
Zé Raimundo está feliz
Com a aventura dos dois
Narrar todo o ocorrido
Deixariam pra depois
A caçada ou a pescaria
Acertariam outro dia
Foi assim que ele propôs.
45
As esposas se olharam
Confirmaram com a cabeça
Vamos comer logo o peixe
Antes que ele amoleça
Tem farofa de bolão
Com arroz e macarrão
Mas sobremesa, esqueça.
46
Foram todos para a mesa
Comeram com muito ardor
Aquela bendita iguaria
“Pescada” com grande amor.
É essa a nossa estória
E que fique na memória
Foi assim que se passou.
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