segunda-feira, 27 de agosto de 2018

O JUMENTO CANTOR
Nivaldo Melo
1
Alguns fatos acontecem
Durante a vida da gente
Alguns nos trazem tristezas
Outros nos deixam contentes
Vou lhe passar um cordel
Escrito nesse papel
Um causo bem diferente.
2
Nada de imaginação
Isso é um fato real
Não me chamem mentiroso
Nem mesmo cara de pau
É que sem nenhuma maldade
Mentira vira verdade
Sem que cause nenhum mal.
3
Portanto prestem atenção
Em tudo que escrevo agora
Façam isso com carinho
Independente da hora
Juntem pessoas ao lado
Pra que fique registrado
Lá nos anais da história,
4
Foi nas terras do Boi morto
Nos confins do interior
Na fazenda do seu Bento
Um homem trabalhador
E lá nasceu um jumento
De corpo todo cinzento
Que foi batizado Cantor.
5
Esse nome foi lhe dado
Por algo bem diferente
Na hora do nascimento
Todos que estavam presente
Ouviram ele zurrar
Uma canção popular
De forma eficiente.
6
Zurrou apenas uma vez
Essa canção popular
Foi coisa de botar medo
Em quem estava no lugar
Alguns saíram correndo
Por medo, até esquecendo
Se negando a comentar.
7
Os poucos que ali ficaram
Fizeram um juramento
Que jamais comentariam
A sensação do momento
Pra evitar gozação
Esqueceriam a canção
Cantada pelo jumento.
8
Os dias foram passando
O jumento ia crescendo
Mas algo de muito estranho
Nele estava acontecendo
Seu corpo que era cinzento
Logo naquele momento
Tinham listas aparecendo.
9
Eram listas desenhada
Em apenas uma cor
De formas delineadas
Que causavam algum clamor
Todo povo da cidade
Pensavam em calamidade
Mandada pelo Senhor.
10
Mas pro dono do animal
Não havia nenhum risco
A mãe do bicho cruzou
Com o zebra lá do circo
Todos vão se acostumando
Pois o bicho tá zebrando
Ninguém tem nada com isso.
11
Antes da maior idade
Já tinha cor definida
Com listas pretas e cinzas
Desfilava na avenida
Não era zebra nem burro
Zurrava só de sussurro
Assim era sua vida;
12
O asno fez amizade
Com animal que cantava
Galo, peru e pavão,
Deles se aproximava
Ensinavam-no a solfejar
Só música bem popular
Que todo povo gostava.
13
Seu amigo e professor
Foi um velho Sabiá
Que junto com o curió
Faziam o burro ensaiar
Cantigas de todos os tipos
As de versos mais bonitos
Eruditos ou popular.
14
Com pouco mais de um ano
Já era adulto o Cantor
Quando pastava no campo
Solfejava sem temor
Fazia isso sozinho
Zurrava sempre baixinho
Algumas canções de amor.
15
E nas terras do Boi Morto
Na fazenda de seu Bento
Reuniam-se as famílias
Só pra ouvir o jumento
Que tímido como um garoto
Cantava sempre um pouco
Apenas por um momento.
16
Não falava uma palavra
Mas se fazia entender
Solfejando as canções
Era seu maior prazer
Erudita ou popular
Pediam pra ele cantar
Sem direito de escolher.
17
E com o passar dos dias
A timidez foi embora
E o jumento cantava
Independente da hora
Solfejava com ardor
Belas canções de amor
Dos velhos tempos de outrora
18
Todo começo de noite
Logo que a lua surgia
Nosso cantor caminhava
E lá no morro surgia
O povo ficava esperando
Para ouvi-lo solfejando
De Gounod; Ave Maria.
19
Era um tremendo alvoroço
Muitas vezes confusão
O povo se emocionava
Ouvindo aquela canção
Uns gritavam outros choravam
E o Cantor só zurrava
Fomentando a emoção.
20
Aos pouco nosso Cantor
Foi ficando afamado
Quando havia alguma festa
O asno era convidado
Do início até o final
Era o cantor principal
Que era mais badalado.
21
E com isso o velho Bento
Já mudou de opinião
Deixa logo a agricultura
Já tem outra profissão
Triplicou o seu numerário
Passou a ser empresário
Do jumento nosso irmão,
22
Vendeu a sua fazenda
E foi morar na cidade
Passou a viver só as custas
De um cantor de verdade
Construiu uma estribaria
Onde o jumento vivia
Mas o povo achou maldade.
23
Logo ensinou ao jumento
O Hino Nacional
Pra impressionar os políticos
Não somente do local
Ele queria era fama
Pra tirar o pé da lama
Explorando o animal.
24
Recebeu muitos convites
Pra aparecer na TV
Quando surgia no palco
Era aplauso pra valer
Imaginem o que é
Ser aplaudido de pé
Sem ter direito ao cachê.
25
Quem ficava com a grana
Era Bento o empresário
Que falava para todos
Não pensem que sou otário
Sou dono do animal
Meu ganha pão principal
Ele paga meu salário.
26
Nas festas de casamento
Na igreja ou no campal
Contratavam o Cantor
Com solfejo de cristal
Pra executar o momento
Daquele acontecimento
A marcha nupcial.
27
Já nos festejos de Momo
No baile municipal
Pra cantar frevo ou samba
Ninguém fazia igual
Ele comandava a festa
Nem precisava orquestra
Ele era o carnaval.
28
O prêmio para o Cantor
Era o reconhecimento
Não existia prestígio
Maior que o do jumento
Padre, prefeito, delegado
Deixavam o poder de lado
Prestigiavam o talento.
29
Nas festa religiosas,
No meio das procissões
Estava lá o jumento
Solfejando as orações
Solfejava apenas hino
Era um momento divino
Aumentando as devoções.
30
E na missa do domingo
Quem comandava o coral?
Era o asno cantador
Em cima de um pedestal
Bem na frente do altar
Pra todo mundo olhar
Nosso astro principal.
31
Os fieis cantavam os hinos
O jumento solfejava
Uma sintonia perfeita
Parece que ensaiava
Sem órgão e sem piano
De um modo muito sano
Todo povo festejava.
32
Nos culto dos evangélicos
Da Igreja Universal
O pastor é que vibrava
Lá no púlpito principal
Gritava para os obreiros
Arrecadem o dinheiro!
Era um sucesso total.
33
Mas nem tudo era flores
Para o jumento Cantor
Tava ficando cansado
Pois a vida sem amor
Pra ele era sem sentido
Pois vivia escondido,
Por medo de seu tutor.
34
Quando estava na fazenda
E ninguém o conhecia
Nosso cantor namorava
As jumentas que queria
Cantava pras namoradas
Muitas canções de balada
Que muito bem conhecia.
35
Nas noites de lua cheia
Solfejava serenata
Só com músicas das antigas
Nisso era diplomata
Dava ênfase a canção
Que fala do coração
Sempre de forma abstrata.
36
Mas o tempo ia passando
Aumentava a solidão
Não sabia ele falar
Pra alertar o patrão
Precisava de um amor
Pra aplacar o fervor
Dentro de seu coração.
37
Só um dia da semana
Saia da estribaria
Só passeava a noite
Pois de dia não podia
Mas sempre acompanhado
Por um tratador safado
Pois só ordem obedecia.
38
Numa noite madrugada
Ele ouviu um assobio
Levantou logo as narinas
Sentiu o cheiro de cio
Com um movimento seguro
Pulou por cima do muro
Pegou o beco, Fugiu,
39
Fugiu com a sua amada
Nem olharam para trás,
Queriam ficar bem distante
Do opressor satanás
Que era o velho Bento
Explorador de jumento
Escravidão nunca mais.
40
Saíram pelas campinas
Felizes como crianças
Trocaram juras de amor
Na mais total confiança
Pois o Cantor solfejava
Sua amada assoviava
Festejando a mudança,
41
Isso foi no mês de junho
Nas festas do São João
Nosso jumento azebrado
Cantou a mesma canção
Do momento que nasceu
A que nunca esqueceu
Que era do Gonzagão.
42
“É verdade meu senhor
Essa história do sertão
Padre Vieira falou
O jumento é nosso irmão”
Nosso casal de jumento
Vivem até esse momento
Na mais perfeita união.



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