segunda-feira, 22 de julho de 2024

CORUPACO PAPACO O VOARILHO.

 


                      NIVALDO MELO

  1

Corupaco Papaco Paco,

É um papagaio louro,

De inteligência rara,

Com fortaleza de touro.

Perspicaz e competente,

Era um louro diferente.

Para seus donos, tesouro.

2

Papagaio poliglota,

Falava bem português,

Dominava o hindi,

Espanhol e o francês,

Conhecia o guarani,

Arranhava no tupi,

Era bom no javanês.

3

Falava fluentemente

A língua dos animais.

Vertebrados, invertebrados,

E com ideias geniais,

Dominava toda gente,

Era muito inteligente,

Educado, mui sagaz.

4

Se tornou auto didata,

Falando o galinhes,

Também era professor,

De línguas, como escocês,

Esperanto e latim,

Era bom no mandarim,

Falava até japonês.

5

Quando os donos viajavam

Par longe do seu país,

Ele era o tradutor,

Agia como um juiz.

Pense num cara arretado,

Metido, mas bem educado,

Em tudo metia o nariz.

6

Nos conflitos animais

Estava sempre de frente,

Se dizia autoridade

Afirmando ser tenente

Apaziguava as brigas

Desfazia as intrigas,

Ele era boa gente.

7

Discutia com seus donos

Sobre temas variados.

Política e futebol,

Nisso era bem versado.

Mas no tema religião,

Sempre dizia que não,

Há anos tava afastado.

8

As leis do nosso país

Sabia todas de cor.

Nos artigos e parágrafos,

Discutia e dava nó.

Até os grandes juristas,

Com ele baixavam a crista,

Pra não criar quiproquó.

9

Tinha ojeriza a gaiolas,

Adorava a liberdade.

Amigo de pouca amigos,

O seu lema era a verdade.

Amante da natureza,

Sempre alegre, sem tristeza,

Odiava a falsidade.

10

Sempre foi independente,

Gostava de andar sozinho.

De vez enquanto fugia,

Pra visitava um vizinho.

Um solitário senhor,

Que sempre foi seu mentor,

Ele o chamava padrinho.

11

Mas um dia o Corupaco,

Resolveu ser voarilho.

Sair por ai voando,

Ia sem rumo e sem trilho.

Procurar novas paragens,

Só com a cara e a coragem,

Conhecer opaco e brilho.

12

Saiu sem traçar um rumo,

E nem onde ia parar.

Viajava durante o dia,

A noite pra descansar,

Pousava na arvore mais alta,

Pra preparar nova pauta,

Pra onde iria voar.

13

Foi assim durante dias,

O que Corupaco fez.

Voava sem ter destino,

As vezes com rapidez,

Em outra com calmaria,

Mas só durante o dia,

Agia como um burguês.

14

Nem tudo sempre foi flores,

Para o nosso Corupaco.

Voava sempre em bons ventos,

Mas não previa um vácuo.

Desses que deixam você,

Sem conseguir entender,

E cai fundo no buraco.

15

Um dia o nosso voarilho,

Vislumbrou uma lourinha,

Dessas toda espevitada,

Bem-falante e bonitinha.

Fez pra ele um carinho,

Deixando nosso bichinho,

De asas amarradinhas.

16

Falava língua comum

Dessas de beira de estrada.

O poliglota coitado,

Não entendia de nada.

Era muito palavrão,

E gíria era de montão.

E o Corupaco abestado.

17

Achava muito diferente

Um novo mundo encantado.

Uma nova experiência.

Estava sim deslumbrado.

No livro das aves falantes,

Há partir daquele instante,

Ele estava apaixonado.

18

Foi um amor entre eles,

Diferente dos padrões,

Um puro, todo educado,

Outro em gíria e palavrões.

Ele emanava a cultura,

Ela de vida nada pura,

Não batia as uniões.

19

Mas foi um amor ardente,

Que viveram aqueles dois.

Nada convencional,

Nunca feijão com arroz.

Um amor quase selvagem,

Que merecia filmagem,

Bem na hora e não depois.

20

Depois de dois dias a loura,

Pra o Corupaco falou:

Hoje a gente se separa,

Eu já peguei meu andor.

Foi um amor verdadeiro,

Eu me entreguei por inteiro,

Foi bom enquanto durou.

21

Cara, já está na hora,

De voltar a realidade.

Você é muito finesse,

E eu vivo na maldade,

Sou uma loura da vida,

Não quero causar ferida,

É nosso adeus de verdade.

22

Esses dois dias de amor,

Foi como uma eternidade.

Para mim e bom ser livre,

Pois eu amo a liberdade.

Você siga seu destino,

Pois o mundo é pequenino,

É essa a realidade.

23

- Pode partir minha amada,

Leve consigo o amor.

Aquele que nós vivemos,

Com todo nosso fervor,

Mesmo ficando carente,

Serás minha eternamente,

Meu coração eu te dou.

24

Aprendi muito contigo,

Vida, amor e a liberdade.

Levarei sempre comigo,

Pois aprendi de verdade,

Foi tempo suficiente,

Pra o amor mais ardente,

Na maior cumplicidade.

25

Partirei pra outras terras,

Pois voarilho eu sou.

Viverei novas aventuras,

Farei isso sem temor,

Jamais te esquecerei,

Pois com você não errei,

Divulgues sempre o amor.

26

Então a loura partiu,

Voando pra seu destino,

E o Corupaco ficou,

Triste como um menino,

Que perde mais um presente,

Mas logo ficou contente,

Voou feliz e sorrindo.

27

Novamente a solidão

Virou sua companheira.

Pra ele era um aprendizado,

Viver sem eira e sem beira.

Dependia apenas de si,

Definir pra onde ir,

Jamais a vida caseira.

28

Voando sempre bem alto,

Admirando as paisagens,

Cumprimentando as nuvens,

Adorava aquelas imagens,

Cabeça de aventureiro,

Ama o mundo por inteiro,

Sem rejeição ou triagem.

29

Então sobre um campo verde,

Ele viu um ponto escuro.

Seu senso de curiosidade,

Ficou um pouco inseguro.

Mesmo assim quis saber,

Logo desceu para ver,

Nem pouso; era um monturo.

30

Então ele ouviu um grito,

Mas na língua bezourêz,

Pousou para observar

Aquilo de uma vez.

Então a voz disse assim;

Que tenha pena de mim,

Me tire desse xadrez.     

31

Ele ficou pensativo,

Será uma nova jornada?

E disse; espere um pouco,

Que vou dar uma ciscada.

Ciscou pra lá e pra cá,

E logo pode avistar,

Uma besoura atolada.

32

Com muita delicadeza

Usando seu bico, tirou.

Aquela besoura aflita,

Que em prantos lhe falou;

Foste a minha salvação,

Pra fugir de um gavião,

Eu mergulhei no cocô.

33

Ele riu e se abaixou

Dizendo, não sinta mágoa.

Eu vou colocar você

Dentro de uma poça d’água.

Faça a limpeza primeiro,

Pra se livrar do mal cheiro,

Se cubra com sua anágua.

34

Depois você vem comigo

Praquela arvore frondosa.

Enquanto você se enxuga,

Nós vamos ter uma prosa,

Vamos nos tornar amigos,

Fugir juntos dos perigos,

Pois a vida é perigosa.

35

- Como você conseguiu

Falar o nosso idioma?

- Foi na escola da vida,

De outros tenho diploma.

O dialeto gavionês

Domino com altives,

Isso pra mim muito soma.

36

Converso com gaviões,

Nosso papo é bem comum.

Dialogo com cabra, com quati,

Com vaca, girafa ou mutum,

Falo qualquer dialeto,

Me acho quase completo,

Mas não é pra qualquer um.

37

Então a jovem besoura,

Deu um passo para a frente.

Vou te dar uma lembrança,

Esse será meu presente.

Muito simples e especial,

Por favor não leve a mal,

É algo bem diferente.

38

De baixo das asas grossas,

Tirou as duas asas finas.

- Elas vão te proteger,

Contra aves de rapina.

Te darão velocidade,

Também ocultabilidade,

Jamais estas em ruina.

39

É algo muito delicado,

Para você manipular.

Use bem dentro das penas,

Que muito elas vão durar.

Receba as duas sem medo,

Vou te contar um segredo,

Elas vão se regenerar.

40

Como é que vás voar

Faltando as duas assas?

- Nós besouros temos quatro,

Duas fundas, duas rasas.

As fundas são pra voar,

As rasas pra equilibrar,

Com duas, só nos atrasa.

41

Agora que vás fazer?

- Besoura não pode parar,

Voltar pra minhas flores,

E lá, vamos polinizar.

E ver nascer belos frutos,

É esse nosso atributo,

Isso nos faz orgulhar.

42

Que coisa linda besoura,

Orgulho em ser seu amigo.

Seu trabalho é fabuloso,

E deve ser expandido,

Fazes um trabalho legal,

E não existe outro igual,

Será por mim difundido.

43

A besoura ainda lhe diz:

- Você é grande pessoa,

Parto com muita saudade,

Fique firme e numa boa.

- Peço que não me abandone

Me diga ao menos seu nome.

Ela gritou MAN-GA-GÔA.

44

E o Corupaco voarilho,

Outra vez ficava só.

Cabisbaixo e pensativo,

Na cabeça havia um nó.

Olhou as duas asas finas,

Prendeu sobe sua crina,

Fez um colar com cipó.

45

No resto daquele dia

Resolveu que ia ficar,

Passaria aquela noite

Pro noutro dia voar.

Apertava uma saudade

Dos amigos da cidade;

Retroceder; nem pensar.

46

Então na manhã seguinte

Comeu frutos do local,

Pensou na sua lourinha,

E na Mangagôa legal.

Então se sentiu feliz,

Foi tudo que sempre quis.

Voltara seu alto astral.

47

E o grande Corupaco

Continuou a jornada.

Voando sem um destino,

E sem traçar uma estrada.

Ali não tinha conflito,

Era tudo tão bonito.

Entardecer, alvorada.

48

Naquele seu calendário,

Sem um dia da semana.

Todos os dias feriado,

Pense numa vida bacana.

Mas par seu desassossego,

Ao deitar viu um morsego,

Voando sobre a savana.

49

Ficou todo admirado,

Como pode ele voar?

Não vejo nenhuma pena.

Será que ele vai posar?

E gritou: estou aqui,

E na hora de dormir,

Você pode vir pra cá.

50

E o morcego acenou,

Com suas asas de couro.

E disse: eu sou Morcego,

- Eu Corupaco, um louro.

- Então vá dormir tranquilo,

Só durmo quando o brilho,

Do dia sai como ouro.

51

Quando ele acordou

O morcego estava ali.

De cabeça para baixo,

Olhos fechados a dormir.

Ele disse pode falar,

Estou aqui pra escutar.

O que o amigo quer ouvir?

52

Estou aqui meditando,

Que tipo de ave é você?

Por que voa sem ter pena?

Só isso quero saber.

Estou aqui abismado,

De fato, estou abestado,

Sem nadica entender.

53

Primeiro; eu não sou ave,

Sou mamífero voador.

Como frutos e insetos,

É esse meu divisor.

De visão sou quase cego,

Se perguntam, eu não nego,

Tenho um radar protetor.

54

Não precisamos de penas,

Pra gente poder voar.

Nossas asas são membranas,

Que dificultam o andar.

Por isso meu camarada,

Dormimos de forma errada,

Mas facilitam o largar,

55

Nossos hábitos são noturnos,

Já criamos até floresta,

Excretando as sementes,

Vê-las nascer é uma festa.

Somos feios com certeza,

Mas nossa mãe natureza,

Nossa ação nunca contesta.

56

Nos reunimos em bando,

Com mais de cem elementos.

Dormimos bem nas cavernas,

Que nos protegem dos ventos.

Agrupamos sem vazios,

Para fugirmos dos frios.

Dizem que somos agourentos.

57

Mesmo assim tem predadores,

Que vivem a lhes perseguir?

- Tem. Os gaviões e as corujas,

Dos quais temos que fugir.

Você deve ter cuidado,

Podes ser por eles achado,

E podes até sucumbir.

58

Fique tranquilo, morcego,

Amanheceu, vou partir.

Vou deixa-lo sossegado,

Você já pode dormir.

Vou continuar a escalada,

Pego de novo a “estrada”,

Foi bom o que aprendi.

59

Voou por sobre a savana,

Em baixo muito vazio.

Vislumbrou algumas arvores,

Próxima a beira de um rio.

Mas era apenas um riacho,

Que pedras tinha de cacho,

Lá ele viu um sombrio.

60

Vou fazer uma parada,

Ali dá pra descansar.

Bebeu um pouco d’água,,

Quando ouviu um coaxa.

É um sapo pequenino,

Parece ser um menino,

Chamo-o pra conversar.

61

Venha cá pequeno sapo,

Precisas de companhia?

- Devo ficar onde estou,

Não gosto der covardia.

- Não tenha medo meu filho,

Sou apenas um voarilho,

Pra mim vai ser alegria.

62

O pequeno sapo saiu,

E estendeu-lhe a mão.

Foi aí que ele notou,

O sapo era um anão.

De idade muito avançada,

Já com pele esbranquiçada,

Corupaco disse; perdão.

63

Peço perdão pela gafe,

Pode voltar pra seu ninho.

- Mas isso é muito normal,

Bem sei que não é adivinho.

- Meu erro só me consome,

Ao menos diga seu nome.

- Me chamo CURURINHO.

64

Volto pra minha jornada,

Sem lugar e sem destino,

Garimpo conhecimento,

Do mais pobre ao mais fino.

E um dia se eu voltar,

Vou para o mundo espalhar,

Se eu puder eu ensino.

65

E bem alto sai voando,

Viu de cima um vilarejo.

Ouviu muito bem tocado,

O som de um realejo.

Vem de lá do manguezal,

Eu nunca vi som igual

Vou lá tentar um solfejo.

66

Bem de longe ele avistou,

Uma linda jovem tocando,

Bem na frente ele pousou,

Ficou só observando.

A jovem nem se abalou,

Do mesmo jeito ficou,

Nem pra ele estava olhando.

67

- Bom dia linda donzela,

Por que não olhas pra mim?

- Não vejo quem está falando,

Vivo neste mundo assim.

- Tocas tão bem o instrumento,

- Ele é o meu alento,

Não tenhas pena de mim.

68

- Por que eu sentiria pena,

Da qualidade em solfejo?

- Pra mim não existem cores,

Nada do mundo eu vejo.

- Eu posso ver por você,

Basta que exista querer.

- É isso que mais almejo.

69

Dessa forma o voarilho,

Chegara ao fim da estrada.

Seria os olhos da beleza,

Dia noite ou madrugada.

E ao lindo som do realejo

Realizou seu desejo,

Cantando ao fim da jornada.




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