quarta-feira, 24 de julho de 2024

A MULHER QUE VIROU PEIXE

 


                   NIVALDO MELO

1

Essa história me foi contada
Quando estava no portão
Daquela casa sombria 
Lá no meio do sertão
Nas terras abençoadas
Por pessoas afamadas 
Padre Cícero e Lampião
2
É um caso meio estranho

Desse que a gente duvida

Mas que de fato acontece

Ao menos uma vez na vida

Podes assinar lá em baixo

Quem lhe conta é cabra macho

Que não tem medo de intriga.

3
O seu Mané de Sabina
Neto da véia Fulô,
Que era filha de Balbina,
Casada com o pescador.
Mais antigo na cidade
E fala só a verdade
Foi ele que me contou.
4
- Seu moço aqui na cidade,
No sítio do véio Romeu,
Que fica perto do rio;
E foi lá que aconteceu,
Esse causo foi bisonho

Que só conto pra estranho
Porque acredita in neu.

5
Aí pegou seu cachimbo
Deu aquela baforada.
A fumaça cobriu tudo,
Quase saio em disparada,
Que fumaça fedorenta!
Fiquei foi tapando a venta,
Até quase a madrugada.
6
Ele estava estudando
A forma de me contar,
Da mulher que virou peixe,
Difícil de acreditar;
Então pedi direitinho,
Para aquele bom velhinho.
Pode agora começar.

7
Foi ai que começou, 
A narrar o ocorrido.
Então baixei a cabeça, 
Desentupi o ouvido.
E vou passar pra vocês,
Da forma que ele fez
Tudo cagado e cuspido.
8
- Foi lá pelos anos trinta
Eu era ainda um menino,
Morava com nós uma véia
Que falava  muito fino,
Mas a véia era tão véia
A cara cheia de péia,

A raça dela era albino.

9
Todo dia ia à velhinha
Ia pra o rio pescar,
Mas nunca trazia peixe
Coisa de se estranhar
Ela nunca pescou nada
Saia de madrugada
Só lá pra noite voltar.
10
As línguas ferinas falavam:
Nesse causo tem história!
Um dia nós segue a véia
Descobre tudo na hora
Ela vai ficar danada
Mesmo sendo madrugada
Nós bota a véia pra fora.

11
Mas ninguém tinha coragem
De ir com a véia ao rio
Na ida estava escuro
De volta estava sombrio
E a veia era tirana
Braba, feito caninana,
Tanto no calor ou no frio.
12
Se arguem falava com ela,.
Era um deus nos acuda
Botava um olhar vermelho,
Dava medo até na muda,
Depois dizia baixinho:
Dou-te um murro no focinho
Que tu vais ficar papuda.

13
E se você insistir,
A coisa fica pior.
Tú tem que mi respeitar,
Pois tenho idade de vó.
Te dou um tapa nas costas,
Abalo o saco da bosta,
Que rasga teu fiofó.
14
E a coisa era esquisita
Nas noites de lua cheia
Dizem que ia para rio,
Lá a coisa ficava feia
Era uma gritaiada, 
Ia até de madrugada
O grito era de sereia.

15
E quem passava no rio
No momento da agonia,
Ficava com muito medo
Porque a água fervia,
Os peixes saiam da água
Então choravam de mágoa
Pense numa bizarria!
16
E lá pela madrugada
Ela deitava na areia,
Ficava se espojando,
Era uma coisa bem feia
E então de pouco a pouco
Te garanto meu caboclo,
Ela virava sereia.

17
Era uma sereia bonita
Calda azul, bem reluzente.
Então entrava no rio
Nadava feito serpente,
Mas ficava muito esperta
Seus olhos ficavam alerta
Só pra ver se vinha gente.
18
E quando ela sentia
Que tava chegando alguém,
Ela saia das águas
Ficava feito refém;
Toda cheia de vergonha
Branca, feito uma cegonha.
Chorava feito um neném.

19
E nas noites de lua nova
A coisa era bem pior,
Como a noite era escura
Ela então saia só;
Escondida e diferente
Então virava serpente.
Era cobra de cipó.
20
Era uma cobra estranha
Como ficava a véia
Tinha os dentes muito grandes
Não tinha escama, só péia.
Andava feito uma cobra
Era feia aquela obra
Era um peixe amoreia.

21
Um dia, oh seu menino,
Arguem disse ao delegado;
O que tava acontecendo
Naquele lugar malfadado,
Então foi verificar
Quando acabou de olhar
Correu feito um veado.
22
Dizendo: Vala-me Deus,
A coisa aqui tá é feia;
E eu que sou da polícia
Não me meto nessa teia.
Jogou logo a farda fora
E está morando agora
Numa sela; na cadeia.

23
Mas um dia meu sinhô,
Numa noite bem bonita;
Deus estava preparado
Pra mudar aquela escrita.
A mulher foi para o rio
De um jeito bem sombrio
Fez uma prece infinita.
24

Cavou um buraco na areia

Botou folha de palmeira

Tirou toda sua roupa

Acendeu uma fogueira

Pôs o fogo no buraco

Ela enrolou-se em trapo

Aguardou a fumaceira.

25

Então ouviu-se um lamento

Do outro lado do rio

Sumiu estrelas do céu

E soprou um vento frio

No rio surge uma luz

Em formato de uma cruz

E sobre o buraco caiu,

26

A luz clareou e tudo

Ficou parecendo o dia

Quem estava no local

Quis correr mas não podia.

E sobre um monte de areia

Surge uma bela sereia

Esbanjando energia.

27

A sereia abre os braços

Depois põe no coração

Faz uns gestos imprecisos

Ensaiou uma canção

E com um cantar bem lento

Ela fez o seu lamento

Em forma de oração.

28
Quero que tires Senhor
Do meu peito esse vazio
Tenhas de mim piedade
Me tire desse sombrio.
E por favor não me deixe.
Então ela virou peixe
Entrou na água e sumiu.








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