quinta-feira, 31 de maio de 2018

VIDA SEXUAL DE UMA MULHER FEIA


Nivaldo Melo

Vinte e nove de fevereiro
Do ano oitenta e quatro
Nasce a mulher mais feia
Não pensem que é boato
Sua mãe; já de idade
Correu pra maternidade
Errou. Entro no teatro.

Lá dentro foi alvoroço
Vendo a mulher correndo
Gritando pra todo mundo
Meu bebe está nascendo
Quero urgente uma parteira
Tragam também um esteira
Acho até que estou morrendo.

Pensem numa bagunça
Lá no Teatro Central
E quem pagou o ingresso
Queria quebrar no pau
Todo mundo reclamando
A peça que estavam encenando
Era Orfeu do carnaval.

O carnaval esse ano
Seria no mês de março
Em menos de uma semana
Do dia do estardalhaço
Pierrô e colombina
Os padrinhos da menina
O padre foi o palhaço.

Foi assim que começou
A vida dessa mulher
Pois quem nasce em teatro
Muitos cuidados requer
Isso causa muito trauma
As vezes atinge a alma
Acredite quem quiser.

O nome para a menina
Foi votado na plateia
Alguns queriam Raimunda
Na votação deu ORFÉIA
Foi tudo na democracia
Como o diretor queria
Tudo como em assembleia.

A menina foi crescendo
E se tornando mulher
Como é feia por demais
Homens nenhum ela quer
Não ficava apavorada
Apenas dava risada
Não quero um homem qualquer.

Com vinte e cinco de idade
Nunca teve um namorado
Rezava todos os dias
Pra aparecer um tarado
Que botasse o olho nela
E lá por trás da capela
Fizesse nela o brocado.

Mas a ORFÉIA era feia
Era feia por demais
Ninguém sabia se ela
Era pra frente ou pra trás
Era uma feiura tão grande
Se a encontras onde andes
Pensas que é satanás.

Vou mostrar como era feia
A dona desse cordel
Não tem nada exagerado
Pois é esse meu papel
Descrever bem direitinho
Com amor e com carinho
Vou fazer isso a granel.

Na cabeça uns cem cabelos
Cada um de uma cor
Os da suas sobrancelhas
De dia eram furta-cor
Seu bigode bem postado
Só tem cabelo em um lado
Os olhos são bicolor.

O nariz avantajado
É um cabo de chaleira
As bochechas salientes
Tem furos feito perneira
Seu queixo é bem quadrado
Mas somente de um lado
Ela nem fede nem cheira.

Tem orelhas salientes
Que parecem dois abanos
Quando a dona vai à rua
Cobre as duas com panos
O cangote é tão roliço
Parece mais o toutiço
Daqueles bois africanos.

Os braços são tatuados
Com tintas da natureza
Manchas amarelas e vermelhas
Aquilo é uma tristeza
Vivem sempre bem coberto
Isso é vergonha por certo.
Quando ela fala gagueja.

O que ela tem de bonito
É um corpo escultural
O que digo é verdadeiro
Acho que isso é legal
É um corpo tão perfeito
Que não vai ter outro jeito
Eu não posso falar mal.

O que a mulher mais queria
Melhorar o seu astral
Fez mais de dez cirurgia
Mas ficava quase igual
Seguiu seu próprio conselho
Quebrou até o espelho
Pra não ver seu visual.

Já no lado sexual
Aos vinte e seis era nada,
Já não saía de dia
Somente na madrugada
Rodava sua bolsinha
Pra ver se algum homem vinha
Pra lhe dar uma cantada.

Então fez uma promessa
Com o rosário ao avesso
Antes dos vinte e sete
Teria que fazer sexo
Queria saber se era bom
Unir sobre qualquer tom
O côncavo com o convexo.

Então pelo carnaval
Preparou a fantasia
Fantasiou-se de freira
Cobriu-se o mais que podia
E logo na primeira noite
Como em um vento de açoite
Conseguiu o que queria.

Pra ela não foi tormento
Teve apenas alegria
Teve um pouco de tristeza
Quem a pegou não sabia
Nem queria procurar
Só queria encontrar
O mesmo no outro dia.

Sua mãe aconselhava
Nunca vá virar o disco
Se fizeres desse jeito
Vás correr um grande risco
Se ele pedir pra virar
Mande ele se lascar
E fujas do compromisso.

Logo no dia seguinte
Na mesma hora e local
Estava pronta a Orféia
Pra viver um bacanal
O cara chegou decidido
E falou ao seu ouvido
Hoje vai ser colossal.

Procuraram um escondido
Lugar que fosse legal
Pra se fazer sexo livre
Só mesmo no carnaval
Foram pra trás da igreja
E para suas surpresas
Tava cheio de casal

Orféia deu um recuo.
Vamos procurar um motel
Tem que ser aqui por perto
Só se for em um bordel
Faremos muito amor
Mas vou pedir por favor
Não queira tirar meu véu

O amante concordou
Sem fazer contestação
Queriam o anonimato
Pra evitar confusão
Fariam fantasiados
O amor do mais safado
Pra ter muita “gozação”.

Foi assim a noite toda
Os dois fazendo amor
Ela uma freirinha pura
Ele um policial robô
A noite os dois embolando
No bordel os dois transando
Ficaram quase em torpor.

E para a noite seguinte
Marcaram de se encontrar
Último dia do carnaval
Iam botar pra quebrar
Queria está bem ativa
Acabar a expectativa
Pedir pra o disco virar.

Como haviam combinado
Na mesma hora e local
Aquele dois se encontraram
Formavam um belo casal
Uma freira abstrata
Com seu amante de lata
No final do carnaval.

No caminho combinaram
Pra transarem diferente
Saíram os dois saltitantes
Felizes e muito contentes
Nessa noite foi motel
Esqueceriam o bordel
Fariam amor saliente.

E lá pra tantas da noite
Ela disse: vou falar
Nesse último encontro
Eu quero o disco virar.
- Não pense que sou omisso
Mas se a gente fizer isso
Você pode engravidar.

Ficou ela sem entender
Se seria assim tão mal
A Orféia ficar prenha
Bem no fim do carnaval
Seria bem diferente
Sentir ele em sua frente
Fazendo um amor normal.

Então daquele dia em diante
Só faria amor decente
Nunca na parte de traz
Somente na parte da frente
Nunca mais faria oral
Nem muito menos anal
Pra ver se faria gente

E depois daquelas noites
Nunca mais viu seu amante
Carnavais, mais carnavais
Se passaram num instante
Orfeia agora idosa
Nunca mais quis ser fogosa
Com um cavaleiro andante.

Ficaram apenas lembranças
Daquele amor colossal
Vivido por dois amantes
De uma forma surreal
Ela uma freira pacata
Amando um homem de lata
Seu robô policial.

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