quinta-feira, 1 de maio de 2014

AMOR, ETERNO AMOR


Dia 25 de abril.
Hoje conheci o José Vitorino; oitenta anos, cabelos grisalhos, olhos grandes, andar trôpego querendo ou tentando se apoiar no nada, mas mantendo um equilíbrio quase perfeito, de um humor contagiante, bom de papo, bom de companhia.
Estávamos à espera de atendimento no posto de vacinação (aquela contra a gripe), que o governo oferece não somente para os idosos, mas para outras categorias que eles falam que correm maiores riscos de adquirirem a doença.
Fomos logo apresentando-nos, isso porque o velhote começou logo contando casos de doenças que, adquiridas por ele ha tempos atrás, doenças como: cobreiro, espinhela caída, unheiro, cravo no pé, frieira, tosse de cachorro, etc. etc., mas que “naquele tempo” eram curadas sem que fosse necessário recorrer à medicina.
E eu; como bom ouvinte que aprecia esse tipo de conversa que vão abastecer meus causos; dei asas à conversa, tentando tirar do José Vitorino subsídio para mais uma estória que publicamos em nosso blog. E fui tirando aos pouco as informações que eu desejava, tais como: profissão, idade, naturalidade, estado civil, filhos, e outras informações para deixar o homem bem a vontade.
Sou José Vitorino, Advogado, funcionário aposentado do Ministério Publico (e exibiu sua carteira funcional já meio amarrotada, mas que o indicava como promotor de justiça), mas hoje ainda tenho alguns clientes que dou assistência a mais de 30 anos; sou viúvo, tenho dois filhos legítimos e uma filha adotada, que ao completar vinte e um anos me abandonou, mas uma vez por mês me visita apenas para buscar dinheiro, (e fez um ar de riso demonstrando que não existia mágoa por parte dele, por a filha ser assim), os outros não me visitam nem pra buscar dinheiro, (coisas da vida, não é?), e novamente riu.
Durante o papo que estava ficando cada vez mais legal; senti que o Vitorino às vezes enfeitava um pouco a conversa, evidenciando alguns detalhes que serviam apenas para aumentar minha desconfiança de que ele estava muito criativo em sua narrativa, e no momento em que ele me falou que era viúvo por três vezes da mesma mulher, (fiz um ar de espanto) ele continuou: não se espante amigo; o que lhe falo é real, e vou lhe contar como.
Casei-me com 21 anos em 1955, minha esposar tinha 17, era uma menina mulher; inexperiente, juvenil, cheia de vida, e alem disso bonita por demais; com três anos tivemos nosso primeiro filho, o Raul, hoje funcionário federal. Digo que literalmente é o mais distante dos filhos; isso porque trabalha em Brasília, e mesmo quando vem de férias, não se dá ao luxo de fazer uma visita ao velho Pai, (acho que ele pensa que morri).
Foi nessa época que fiquei viúvo pela primeira vez.
Um dia que não sei precisar o mês, mas lembro-me que foi em 1960.
Dona Amanda (minha esposa), sem nada e nem porque, me chamou no quarto e disse-me baixinho: pra você eu morri! - Como assim? Você esta vivinha da silva dona Amanda! - Assim será e assim tem que ser. Tu serás viúvo de uma mulher “viva”, mas que pra você está morta. Vou embora e nunca mais ouviras falar de mim; fica contigo o Raul porque quem morre, morre só, não precisa de companhia.
E assim fiquei viúvo e sozinho pela primeira vez durante 4 anos.
Depois desse período de solidão, mas cuidando de meu filho, recebi uma carta de alguém que queria me conhecer. Como um solitário e precisando de alguém para me ajudar na tarefa de educar meu filho, resolvi marcar um encontro.
Nesse encontro tive a grata surpresa de reencontrar a Amanda (a mulher da qual eu era viúvo), pedindo não para voltar, mas para vivermos juntos, garantindo que queria participar da educação do Raul, que segundo ela nutria por ele uma afeição por ele fosse realmente seu filho.
Não discuti, não contestei, nem esbravejei; simplesmente aceitei os argumentos d’aquela “nova mulher”; e fomos viver juntos como se nunca tivéssemos nos conhecido no passado.
Felicidade total; eu um senhor maduro; mas curtindo uma adolescência de amor e de carinhos. Amávamos como nunca tínhamos nos amado antes.
E mais cinco anos se passaram como se fossem 5 meses ou 5 dias.
Nesse intervalo nasceu o André, “nosso”, “meu” ou “dela”, segundo filho.
Inicio de 1965. À noite quando chego a casa, encontrei uma carta bilhete, dentro de um envelope tipo oficio posto sobre a mesa, em letras garrafais apenas uma palavra.
Morri.
E em baixo da folha retirada de um caderno um Ps: considere-se viúvo; parto para meu segundo “enterro”.
E foi dessa forma que enviuvei pela segunda vez da mesma mulher.
E assim passei mais seis anos solitário mas responsável, agora cuidava de dois filhos, um pequeno e outro adolescente ou aborreceste.
Dia 1 de maio de 1971. Resolvi passar o dia no horto zoo botânico, curtindo as aves, os peixes, as pessoas que passeavam, e como eu, respirando o aroma das arvores, o cheiro de mato, verdadeira despoluição do corpo e da alma.
Sento-me em um banco contiguo a outro (costa a costa), fecho os olhos para meditar um pouco, quando ouço a minhas costas o som de um assobio por mim muito conhecido, abro os olhos e me volto para ver quem estava assobiando a música preferida da mulher da qual eu estava viúvo pela segunda vez.
Era ela! Tentei falar, mas não consegui emitir nenhum som, estava eu petrificado ao ver minha “defunta” ali às minhas costas ainda viva.
Ela falou com voz macia: estava observando o senhor há horas, esperando a oportunidade de lhe falar; achei o senhor uma pessoa bem interessante, e vi que o senhor esta com duas alianças, isso significa que é viúvo, (sorrio mostrando sua dentadura perfeita), Estou certa?
Só errou porque são três alianças (sorri também para ela) sou viúvo duas vezes.
Ela sem titubear; e falou: ao que me parece somos dois solitários; seria de bom grado de sua parte querer unir nossas solidões?
Como, se acabamos de nos conhecer? Não sabemos nada um do outro, para nós será muito difícil uma vida em comum.
Porque não começamos a nos conhecer a partir de agora? - Sou Amanda, morri duas vezes e não estou disposta a morrer mais uma, quero ter ao meu lado uma pessoa na qual eu possa confiar, para viver o resto de meus dias junto a ela, e elegi, sem medo de errar, sua pessoa.
Mas eu tenho dois filhos!
Que se o senhor quiser e permitir também serão meus.
E assim a partir daquele 1º de maio, selamos sem mais delongas uma união quase perfeita, que durou 15 anos.
Adotamos a (Amandinha), hoje com 30 anos, minha quase companhia de velhice, é ela responsável mês a mês pelas minhas finanças (e riu a vontade).
Dona Amanda faleceu (de verdade) em 1986, deixando-me viúvo pela terceira vez, e é por isso que carrego em meu dedo (senhor vizinho da mão esquerda) quatro alianças, três das vezes que fiquei viúvo e uma em homenagem a vida quase, solitária que levo em lembrança àquela que amei e continuo amando.
Agora moro sozinho em uma cada confortável, tenho uma pessoa que cuida de mim, assim todas as noites sento na varanda esperando que minha Amanda venha novamente me resgatar para vivermos uma nova fase de amor.
E essa será realmente eterna.
Assim é o José Vitorino (como ele fala); quase velho, quase solitário, mas com um coração quase jovem, que continua apaixonado por Dona Amanda da qual ele é viúvo por três vezes.

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