sábado, 28 de setembro de 2024

O GRILO COR-DE-ROSA

 

                                         

                      NIVALDO MELO


1

Férias de final de ano,

Fomos passar na fazenda.

Essa história é bem hilária,

Espero que você entenda.

É a primeira história rural,

Bem longe da capital,

Vou lhes contar sem emenda.

 2

A fazenda de meu biso

Nosso vovô Manoel

Ele era conhecido

Como o último Coronel

Diziam já ter um século

Já tinha um tetraneto

O Vovô gosto de mel.

3

De voz mansa e delicada

Falava muito baixinho

Muitas vezes pra ouvi-lo

Chegávamos muito pertinho

Nessa hora ele gritava

E nem você esperava

Vá pra lá seu menininho!

 4

Com o susto você corria

Então o vovô resmungava

Ele está com medo do velho.

Era assim que ele brincava

Só tou querendo assustar

É jeito de velho brincar

E na hora ela gargalhava,

5

Pra nós era só alegria

Vê Coronel Manoel França

Rever os tempos de menino

E voltar a ser criança

Íamos com ele pescar

E no vê-lo ainda nadar

Nele tínhamos confiança.

6

O primeiro do outro lado

Tem de prêmio uma pataca

Era assim que ele chamava

As bezerrinhas das vacas

Quem não queria ganhar?

Só não conseguia levar

Pois eram pesada “paca”.

7

Era muito divertido

As férias lá na fazenda

Pela manhã bem cedinho

Já começava a contenda

Corríamos para o riacho

Comer banana do cacho

Ouvirmos histórias e lendas.

8

E quando chegava a noitinha

Tinha um lugar especial

Era um caramanchão

Construído lá no quintal

Em um formato circular

Com bancos para sentar

Pra nós era um arraial.

9

Primos e irmãos sentavam

Até o Coronal chagar

Quanto ele se aproximava

Era a hora de levantar

Ele ficava meio sem jeito

Dizia; isso é que é respeito

Mas todos podem sentar.

 

10

E durante toda a férias

A cada noite uma estória

Sempre tinha fatos novos

Que lhes vinha a memória

Um dia ele todo prosa

Hoje um grilo cor-de-rosa

Terá sua noite de gloria.

11

Pediu um copo de suco

E temperou a garganta

- Esse grilo que eu falo

Ele não trila só canta

Uma canção diferente

Dessas que prendem a gente

Quem a ouve se espanta. 

12

Fiquem todos em silencio

Fechem os olhos pra esperar

Pode demorar um pouco

Mas assim que ele chegar

Vai se fazer bem presente

E com certeza a gente

Vamos parar pra escutar. 

13

Passaram-se alguns segundos

Pra gente uma eternidade

Quando o biso fez psiu!

Está na hora da verdade

Então se ouve um som

Um pouco fora de ton.

Ninguém estava a vontade. 

14

O som foi se aproximando

E sobre a mesinha parou

Naquele exato momento

Todo mundo se espantou

Tinha um grilo cor-de-rosa

Sobre a mesa e todo prosa,

Na mesma hora cantou. 

15

Em uma linguagem estranha

Que ninguém ali entendia

Enquanto o grilo cantava

Nosso biso a traduzia

A letra era um tilintar

Que era voz dele falar

Só o nosso biso sabia. 

16

A letra daquela canção

Era mais ou menos assim

“Ser um grilo cor-de-rosa

Garanto que é muito ruim

Sou o único dessa cor

Me chamam grilo doutor

Ninguém acredita em mim”. 

17

“Quero pedir para todos

Por favor prestem atenção

Moro dentro de uma arvore

De dia não saio não

Tenho medo de predador

Por causa de minha cor

Não dar pra ser refeição”. 

18

“Gosto muito de crianças

Devido suas carências

Sou um grilo diferente

Estou em suas presenças

Estão todos estatelados

Me olhando admirados

Mostrando suas inocênciaS"

19

“Eu não sou desse país

Pertenço a outro rincão

Por isso o meu cantar

É de difícil compreensão

Eu venho lá do oriente

Da terra do sol nascente

Lugar chamado Japão” 

20

Olhávamos pra nosso biso

Com muita curiosidade

Será que estávamos vendo

Um grilo cantar de verdade?

Mas o biso apenas sorria

Como nós se divertia

Ali não tinha maldade. 

21

Ficamos por muito tempo

Admirando tudo aquilo

O Coronel nos alertou

Nunca toquem nesse grilo

Espero que me entenda

É a mascote da fazenda

Tá na placa em grande estilo.

22

Qual o nome dessa fazenda

Alguém pode me responder?

- Não é Fazenda do Mel?

- Está muito errado você.

Tem uma placa glamurosa

Fazenda do Grilo-de-rosa

Pensei que alguém sabia ler! 

23

Quando olhamos pra a mesa

O grilo havia sumido

O biso disse pra gente

- Depois de tanto alarido

O grilo ficou com medo

E partiu foi muito cedo

Pra ficar bem escondido. 

24

E vamos vê-lo novamente?

Amanhã ou depois, talvez

Queremos o grilo por aqui

Será surpresa pra vocês

Amanhã vamos voltar

E todos vamos apelar

Para velo outra vez. 

25

Eu, minha irmã, e os primos

Estávamos todos encafifados

Esperando que chegue a noite

Momento mais aguardado

Queríamos o grilo novamente

Pra deixar todos contentes

Passamos o dia amoitados. 

26

A tarde perguntamos ao biso

Será que hoje ele vem?

E velho fazendo gracinha

Nos pergunta. Ele quem?

O grilo!!! Ficou na memória

Será que ele conta histórias?

Vai nos contar, se as tem. 

27

Logo que a noite chegou

Corremos pra o caramanchão

A cozinheira então gritou

Vocês não vão janta não?

Meu tio deitado na rede

Tão sem fome, mas com cede

Cede de muita emoção. 

28

Éramos apenas crianças

Que morávamos na cidade

Qualquer coisa diferente

Pra gente era novidade

Principalmente no instante

Que vimos um grilo cantante

Pra todos nós, novidade. 

29

Voltamos pra casa grande

Sede da velha fazenda

Que pertencia a família

Um lugar cheio de lendas

Tinha horta, e pomar

Um rio pra gente pescar

Pra moer a cana, moenda.

30

No momento o que importava

Era a aparição do grilo

E ouvirmos ele se expressar

Cantando sem estribilho

Mas quando chegasse a hora

Íamos pedir uma história

Mesmo que fosse sem brilho. 

31

Mas para nossa frustação

Essa noite ele não chegou

Ficamos sem a presença

Do grilo e do bisavô

O velhinho foi dormir cedo

A gente ficou com medo

Até que vovó chegou. 

32

Fiquem tranquilos crianças

O Coronel tá cansado

Hoje foi um dia tenso

Dia de embarcar o gado

Como ele tem muita idade

Não ficou muito à-vontade

Por isso já está deitado. 

33

A vovó a dona Pérola

Filha do seu Manoel

Ela era a Mãe de meu pai

Que é neto do coronel

Todos da mesma família

E seguiam a mesma trilha

Cada um com seu papel. 

34

Vou contar para vocês

Sem entrar na contramão

Como o grilo chegou aqui

Dele só tem no Japão

Papai o trouxe de lá

Foi difícil de embarcar

Trouxe-o fechado na mão. 

35

Compro-o de um japonês

Que negociava insetos

Meu pai gostou do grilinho

E quis ter ele por perto

E logo que aqui chegou

Lá na arvore ele o soltou

Depois ele conta o resto. 

36

Mas se vocês quiserem

Eu lhes conto uma história.

- É claro que nós queremos!

Vai ser pra gente uma gloria

Ouvir a senhora nos contar

Alguma história espetacular

Pra nós mais uma vitória. 

37

Foi então que ela chamou

A velhinha cozinheira

Ela veio toda sorridente

Sentou em uma cadeira

- O que a senhora quer?

- Uma história, mulher!

Daquela bem verdadeira. 

38

E sem mais nenhuma delonga

A cozinheira começou.

Eu vou lhes contar a história

De alguém que aqui chegou

Há uns trinta anos atrás

Apareceu nos currais

Do jeito que ninguém notou. 

39

Em um dia bem cedinho

Quando fui buscar o leite

Encontrei o ordenheiro,

Sentado num tamborete

Falando não sei com quem

Procurei não vi ninguém

Ali naquele piquete. 

40

Fiquei só observando

Quem é que estava ali

Quando vi que nada tinha

Perguntei: quem está aí?

Uma voz me respondeu

Eu sou um amigo seu

E vim pra me divertir. 

41

Sou apenas um Curupira,

Estou aqui de passagem

Você tem bom coração

Vou mostrar minha imagem

E logo o mato de mexeu

E um menino apareceu

Poensei que era miragem. 

42

Estou aqui com uns amigos

Que podem lhe aparecer

Um é a mula sem cabeça,

O outro Saci Pererê

Temos também o Caipora

Que está chegando agora

Não vai dar pra você ver. 

43

Olhei para o ordenheiro

Que estava petrificado

Não dizia uma só palavra

Os olhos esbugalhados

Nem as pestanas batia

Olhava, mas nada via

Mas o chão todo molhado. 

44

Deu uma pausa na história

Então começamos a gritar

E o que a senhora fez?

- Eu procurei me sentar

Não adiantava correr

Nem ao menos se esconder

Sentei pra gente conversar. 

45

Então velho Papa figo

Mandou o seguinte recado

Avise pra sua garotada

Que esse lugar é sagrado

Se tomarem banho no rio

Escondam bem o pavio

Senão vão ser é capados. 

46

Estão todos nos olhamos

Não dava pra entender

Somente o primo Gustavo

Queria assim proceder

Tinha sido ontem a noite

Alguém gritou; não se afoite

Que você pode até morrer. 

47

Pensávamos que era mentira

O que falava a cozinheira

Ninguém poderia acreditar

Em toda aquela baboseira

Mas com o recado no final

Foi como um tiro letal

Gustavo sai na carreira. 

48

Cercamos a velha cozinheira

Com um milhão de perguntas

Como é que é o Caipora?

- Os seus pés nunca se juntam

Pois são totalmente tortos

Anda montado em um porco

Todos na mata ele assusta. 

49

E a Mula sem cabeça,

Como é que ela faz?

- Sua cabeça é de fogo

É horrível por demais.

Já nosso Saci Pererê.

Corre muito mais que você

Só com uma perna, rapaz. 

50

Então a mana muito curiosa

Pergunta: pelo Curupira

Tem os cabelos vermelhos

Arrepiados e em tiras

Anda na mata só a noite

Quando o vento é de açoite

Tem bengala de embira. 

51

E então naquela noite

Quase que ninguém dormiu

Com medo da assombração

Que e velha cozinheira viu

E com a mensagem mandada

A gente dava era risada

Só lembrando do paviu.. 

52

Pela manhã bem cedinho

Procuramos vô Manoel

Levaram para um hospital

Nosso ultimo coronel

Todo mundo preocupado

Pois nosso ator tá cansado

Taçvez seu ultimo papel. 

53

Todos fomos visita-lo

Sem choro ou pressentimento

Sabíamos que pra o centenário

Estava chegando o momento

Fez-me um gesto com a mão

Me indicando a direção

Mostrando-me um monumento. 

54

Essa esfinge Japonesa

Guarde-a com muito cuidado

Cuide dela bem direitinho

Em um lugar bem reservado

As chaves estão com seus pais

Só são três meu bom rapaz

E tudo vai ser revelado.

55

Só abram essa esfinge

Um mês depois que eu partir.

Na missa de trinta dias

Vou estar lá para assistir

Eu estarei ao seu lado

Pois vai ser muito engraçado

Na hora que ela se abrir. 

56

Dois dias após as férias,

O nosso bisavô partiu

Deixando toda família

Em estado pueril

Sem sabermos o que falar

Do Coronel mais popular

Que a gente um dia viu. 

57

Missa de trigésimo dia

Estávamos todos presentes

Apenas a velha cozinheira

Ficara em casa doente

Então vindo fundo da igreja

Alguém na sacristia solfeja

Uma música bem diferente. 

58

Era a música que ouvimos

Naquele caramanchão.

A músiuca do grilo cantante

Acelerou meu coração

Lembramo-nos do amuleto

Que levei colado ao peito

Como pediu o biso ancião. 

59

Estão pegamos as chaves

A esfinge logo foi aberta

Todos querendo saber

Tava parecendo festa

Surge um grilinho de corda

Pintado na cor de rosa

Trilando feito uma orquestra. 

60

Estava desvendado o segredo,

De toda aquela armação.

Perpetrada por nosso bisavô,

Que nos deixou se ação.

O velhinho nos enganou,

Com o brinquedo que comprou,

Em uma loja no Japão.