domingo, 1 de abril de 2012

A MULHER QUE VIROU PEIXE


Nivaldo Melo

Essa historia me foi contada
Quando estava no portão
Daquela casa sombria
Lá no meio do sertão
Nas terras abençoadas
Por pessoas afamadas
Padre Cícero e Lampião

É um caso meio estranho
Desses que a gente duvida
Mas que de fato acontece
Ao menos uma vez na vida
Podem assinar lá em baixo
Quem lhes conta é cabra macho
Que não tem medo de intriga

O seu Mané de Sabina
Neto da veia Fulô
Que era fia de Barbina
Casada com o pescador
É antigo na cidade
E fala só a verdade
Foi ele que me contou.

Seu moço aqui na cidade
No sítio do veio Romeu
Que fica perto do rio
E foi lá que aconteceu
Esse causo foi bisonho
Que só conto pra estranho
Porque acredita in neu.

Ai pegou seu cachimbo
Deu aquela baforada
A fumaça cobriu tudo
Quase saio em disparada
Que fumaça fedorenta!
Fiquei foi tapando a venta
Ate quase a madrugada.

Ele estava estudando
A forma de me contar
Da mulher que virou peixe
Difícil de acreditar
Então pedi direitinho
Para aquele bom velhinho
Pode agora começar.

Então ele começou
A narrar o ocorrido
Então baixei a cabeça,
Desentupi o ouvido
Então passo pra vocês
Da forma que ele fez
Tudo cagado e cuspido.

Foi lá pelo ano trinta
Eu era piqinininho
Morava cum nós uma veia
Fartando o dedo mindinho
Ela era bem antiga
Tinha a cara inculhida
Era dos anos, Zezinho!

Todo dia ia à veinha
Lá pra o rio pescá
Mas nunca trazia peixe
Coisa de se istranhá
Pra nós nunca pescou nada
Saia de madrugada
Só lá pra noite vortá.

As língua firina falava:
Nesse causo tem histora
Um dia nós segue a veia
Discobri tudo na hora
Ela vai ficar danada
Mermo sendo madrugada
Nós bota a veia pra fora.

Mas ninguém tinha corage
De ir com a veia ao rio
Na ida tava iscuro
De vorta tava sombrio
E a veia era tirana
Braba, feito caninana,
Tanto com calô ou no frio.

Se arguem falava com ela
Era um Deus nos acuda
Botava uns óios vremeio
Dava medo até na muda
Depois dizia baixinho
Dou-te um murro no focinho
Que tu vai ficar papuda.

E se você insistir
A coisa fica pió
Tu tem qui mi respeitá
Pois tenho idade de vó
Te dou um tapa nas costas,
Abalo o saco da bosta
Que rasga teu fiofó.

E a coisa era esquisita
Nas noites de lua cheia
Dizem que ia pro rio,
E a coisa ficava feia
Era uma gritarada
Ia ate de madrugada
O grito era de baleia.

E quem passava no rio
No momento da agonia
Ficava com muito medo
Porque a água fervia
Os peixes saiam da água
Então choravam de mágoa
Pense numa bizarria!

E lá pela madrugada
Ela deitava na areia
Ficava se espojando
Era uma coisa bem feia
E então de pouco a pouco
Te garanto meu cabaco,
Ela virava sereia.

Era uma sereia bonita
Calda azul, bem reluzente.
Então entrava no rio
Nadava feito serpente,
Mas ficava muito esperta
Seus olhos ficavam alerta
Só pra ver se vinha gente.

E quando ela sentia
Que tava chegando alguém,
Ela saia das águas
Ficava feito refém
Toda cheia de vergonha
Branca, feito uma cegonha.
Chorava feito um neném.

E nas noites de lua nova
A coisa era bem pió,

Como a noite era escura
Ela então saia só
Escondida e deferente
Então virava serpente
Era cobra de cipó.

Era uma cobra estranha
Como ficava a véia
Tinha os dentes muito grandes
Não tinha escama, só peia.
Andava feito uma cobra
Era feia aquela obra
Era um peixe amoreia.

Um dia, oh seu minino.
Arguem disse ao delegado
O que tava acontecendo
Naquele lugar malfadado,
Então foi verificar
Quando acabou de olhar
Correu feito um viado.

Dizendo: vala-me Deus,
A coisa aqui ta é feia
E eu que sou da policia
Não me meto nessa teia
Jogou logo a farda fora
E esta morando agora
Numa sela; na cadeia.

Mas um dia meu sinhô,
Numa noite bem bonita
Deus estava preparado
Pra mudar aquela escrita
A mulher foi para o rio
De um jeito bem sombrio
Fez uma prece infinita.

Quero que tires Senhor,
Do meu peito esse vazio,
De mim tenha piedade
Me tire desse sombrio,
E por favor não me deixe.
Então ela virou peixe
Entrou na água e sumiu.

Nivaldo Melo

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