ORAÇÃO DA CABRA PRETA
Nivaldo Melo
1
No meu
tempo de criança
Ouvíamos
muitas histórias,
Contada
por minha avó
Durante
horas e horas;
Muitas
histórias de areias
Umas
bonitas outras feias,
Que eu
guardo na memória,
2
Me
lembro como se hoje
Ouvisse
o fato narrado
Eles
nos deixavam as vezes
De
certa forma marcados
Isso
dependia então
Da
forma e entonação
Que era
pra nós passado.
3
A minha
avó era mestra
Na
forma dela contar
Estórias
da carochinha
Que era
a mais popular
Contava
histórias de ação
Como de
assombração
Que
dava pra arrepiar.
4
Numa
noite muito escuras
Quando
a lua está nova
Ela
conta suas estória
Para nos
pro só a prova
Depois
que ouvimos tudo
Saímos
dali quase mudo
Até com
medo da alcova.
5
Naquela
noite medonha
Vovó chegou
diferente
Os
cabelos desgrenhados
Há dias
não via pente
Com um
aspecto bisonho
Era uma
bruxa de sonho
Fazendo
medo pra gente.
6
Quando
chegou foi falando
Quero
silencio total
O caso
que vou contar
Não foi
um caso banal
Foi um
caso de terror
Até
hoje causa horror
Quando
lembro passo mal.
7
Aconteceu
numa sexta
Dia
treze de agosto
Na mata
aqui da cidade
Parece
que foi encosto
Trazido
por um despacho
Daquele
que cabra macho
Quando
passa vira o rosto.
8
Nele
tinha muitas coisas:
Uma
quartinha sem tampa
Três
penas de galinha preta,
Rastro
de uma mula manca,
Uma
pedra de carbureto,
O
chinelo de um preto,
Uma
foto sem estampa.
9
Tinha
uma xícara sem asa
Um
prato todo quebrado
Cabresto
da vaca mocha
O
chifre de um veado
Uma
pedra acesa em brasa,
Poeira
de uma casa
E um
charuto amassado.
10
Uma
sola de sapato,
Uma
garrafa de cana
Um
bilhete escrito assim
Você
pensa que me engana,
O cabo
de um pincel
Um pão
melado de mal
E três
cascas de banana.
11
Um
pedaço de serrote,
Três
milhos pra mungunzá,
Dentes
de um velho garfo,
Dentadura
de um preá,
Pacote
com uma bolacha,
Um tatu
sem carapaça,
Um
chifre do boi tatá.
12
Um
cachimbo sem o fumo,
Caixa
de fosforo ao lado,
Um maço
de vela preta,
Cinza
de fogo apagado,
Tinha
um caroço de pinha,
O pé
esquerdo de galinha,
Um
vidro escrito Encantado.
13
Uma
cabeça de alho,
As
tiras de um chinelo,
Um
tapete de veludo,
Em cima
algo amarelo,
Tinha
uma colher de pau,
Mamadeira
com mingau,
O cabo
de um martelo.
14
Chocalho
de cascavel,
Um laço
de fita vermelha,
Mais um
laço de cor azul,
Um
outro de cor de telha.
Tinha
um sino sem badalo.
Também
um bico de galo,
O
ferrão de uma abelha.
15
Um
pouco de mel de furo
Um
pedaço de carvão
Uma
cocada mordida,
A
cabeça de um zangão,
Bunda
de uma tanajura,
Uma
cuia com verdura,
O bico
de um pião.
16
Moeda
de um centavo,
Uma
cadeira sem texto,
A touca
de um menino
Nascido
em ano bissexto,
Cavalo de
um carrossel,
Pedra
verde de um anel,
Um cipó
de fazer cesto.
17
Tudo em
um recipiente
Parecido
um alguidal
Não era
feito de barro,
Uma
estrutura de pau,
Feita
de pau pereira,
Desse
que vende na feira
Roubado
de um quintal.
18
Nesse
momento a vovó
Perguntou
qual era a hora,
Vinte e
três cinquenta e oito,
Quem
respondeu foi Aurora,
Então a
vó deu um pulo
E saiu
de seu casulo
Transformou-se
em caipora.
19
Todo
mundo levantou-se
Queriam
todos correr,
Então
vovó da um gritou,
Quem
sair pode morrer,
Que
fiquem todos sentados,
Senão
vão ser devorados,
Pelo
saci Pererê.
20
Fez-se
um silencio danado
Parecia
um funeral,
Vovó
pega seu cachimbo
Tira do
bolso um dedal,
Põe no
indicador direito,
E
disse: peço respeito
Quem
falar vai levar pau.
21
Alguém
levantou o dedo
Pedindo
para falar,
Vovó
disse; fiquem calmos
O que
eu vou lhes contar,
É caso
de assombração
Quem
sofrer do coração
Saia
logo e vá cagar.
22
Um olhava
para o outro
Todo
mundo assustado,
História
de assombração,
Ela
nunca tinha contado.
Estávamos
com muito medo
Sem
saber qual o enredo
Que ela
tinha preparado,
23
“Tudo
foi na sexta-feira
Treze
do mês de agosto
Bem no
caminho da mata
Que o
despacho tava exposto
Podia
ver quem quiser
Homem,
menino, mulher,
Só não
podia preposto.
24
Quando
o relógio da igreja
Badalava
a meia noite
Se ouve
uma explosão
E veio
um vento de açoite
Na mata
se ouve apito
Algo de
muito esquisito
Se tem,
coragem, acoite.
25
Aí
começou o barulho
Vindo
do meio da mata
Em
direção a cidade
Feito
miado de gata
Na hora
que faz amor
É um
grito sofredor
Não é
nenhuma uma sonata.
26
Ouviam-se
muitos gritos
De
gente que está sofrendo
Chegando
lá no inferno
Com som
de dentes rangendo
O povo
se escondeu
Mas o
velho padre Pompeu
Ficou
na rua, só vendo.
27
Ele
olhava para a mata
Pra ver
se via alguém
Devagar
se aproximava
Por
certo não viu ninguém
De onde
vem essa voz?
De um
povo bem feroz,
Nossa
voz vem do além.
28
Então o
padre Pompeu
Pôs o
seu terço na mão
Pegou
sua agua benta
Fez uma
roda no chão
Ficou
no meio parado
Olhando
pra todo lado
Pra ver
a assombração.
29
Da mata
então aparece
Uma
mula sem cabeça
O padre
perdeu a noção
Se era
quinta ou sexta
Mas ele
estava tranquilo
Olhando
só para aquilo
Começou
a oração.
30
Oh meu
santinho Pompeu
Que é o
meu protetor
Defenda
a nossa cidade
Peço
por Nosso senhor
Afaste
as almas penadas
Para
longe da estrada
Te peço
com todo amor.
31
Aí é
que apareciam
Coisas
de dentro da mata
Veio um
pombo sem asa
Seguido
por mil baratas
Uma
alma transparente
Gritando
saiam da frente
Vai
começar a bravata.
32
Mas
nenhum daqueles seres
Do
padre se aproximava
É que
aquela agua benta
O velho
padre guardava
O que
queriam fazer
É ver o
padre tremer
Daquele
lugar se mandava
33
E o
tempo ia passando
Naquela
noite sombria
Os
gritos vindos da mata
Em todo
quanto se ouvia
Gemidos,
ranger de dentes
Assombravam
toda gente
Antes
de amanhecer o dia.
34
Todo
aquele alvoroço
Era em
torno do vigário
Ele
estava protegido
Dentro de
seu campanário
Com
muita calma rezava
De
joelhos implorava
Me tire
desse calvário.
35
Aquelas
almas penadas
Que
saíam lá da mata
Esvoaçavam
por cima
Bailando
como acrobata
Um
gemendo outro gritando
Uns
miando outros rosnando
Outros
batiam em lata.
36
E o
tempo ia passando
Parecendo
eternidade
O padre
de olhos abertos
Demonstrava
só bondade
Alguém
resolve ajudar
Gritando;
podem parar
Chegou
aqui a verdade!
37
O padre
Pompeu gritou
Venha
aqui pra agua benta
Estão
quase desistindo
Lá fora
tu não aguenta
Me dê
logo sua mão
Vamos
fazer oração
Matar
as almas agourentas.
38
E quem
era o participante?
E não
era o sacristão!
Na
cidade era famoso
Pelos
tipo de oração
E quando
o sacristão rezava
Tudo de
ruim se afastava
Garanto
que até o cão.
39
Os dois
começam rezando
O Pai
nosso e Ave Maria,
Rezaram
o credo ao contrario
Mas
nada ali acontecia,
Isso
durou meia hora,
Vamos
mandar tudo embora,
Vou
rezar o que eu queria.
40
Mal
acabou de falar
Na mata
se ouve um grito,
Abram
que estou chegando,
Eu vou
deixá-los proscritos,
Vou
transformá-los em pó
Vamos
ver quem é maior,
Eu vou
dar fim ao conflito.
41
Fez-se
um tremendo silencio
Em toda
aquela galera,
Padre,
almas e sacristão
Ficaram
só na espera,
Os
galhos iam quebrando,
E algo
vinha relinchando,
Era a
tal da besta fera.
42
Acompanhando
a danada
Veio a
caipora, o saci,
Quem
veio foi o ao-ao
Parecido
com um quati,
Curupira,
e o boi tatá
Foram só
pra comprovar,
Quem é
que mandava ali.
43
Foi
aquela fumaceira
Enxofre
era queimado,
As
almas todas gritando,
Não
vamos deixar legado,
Acabemos
com os dois
Pra nos
feijão com arroz,
Vai
ficar tudo acabado.
44
Então o
sacristão levanta
E
começa a velha oração,
Começa
rezar baixinho
Ao
padre dando a mão,
Era a
oração da Cabra preta
A que o
diabo faz careta
E cai
postado no chão.
45
A
oração era assim:
Rezada
de frente pra trás,
Pois
somente desse jeito
Ela
afasta o satanás,
O
chamado cramunhão,
Conhecido
como cão,
Que é
filho do ferrabrás.
46
Quando
a oração é feita
Com linhas de traz
pra frente,
As
almas que são do bem,
É quem
protegem a gente,
Veem
logo transformar,
Pondo
as coisas em seu lugar
Pondo o
pé sobre a serpente.
47
Cabra
amiga boa minha
Escuro
pelo de coberta
Tinhoso
e nós de afasta
Muro o contra
ele joga
Claridão
a volta de traz
Escuridão
a com acaba
Puro ar
o nós pra traz e
48
Salvadora
cabra minha
Conte
eu três que antes e
Penadas
almas as empurre
Monte
dos atrás possível se,
Milagre
o esperamos
Acabe
se isso que faça
Desmonte
despacho o que.
49
Está
que tudo junte
Alguidal
velho naquele
Puseram
lá que coisas as
Mal o
nós pra trazem só
Quebranto
o logo acabe
Canto
desse todo leve
Matagal
no jogue e.
50
Mata da
esplendor o traga.
Perfume
o traga flores das
Almas
as todas afaste
Estrume
com elas cubra
Encerrar
pra agora
Lascar
se diabo o mande
Imune
povo nosso deixe.
51
Quem
primeiro debandou
Foi a
mula sem cabeça
A besta
fera sai gritando
Quem
ficar que obedeça
A reza
do sacristão
Tem a
força de um canhão
Se me
viu; que me esqueça.
52
Foge
também o lobisomem,
Curupira
com o pé torto
Entra
na mata ligeiro,
Cavalgando
em seu porco.
As
almas fogem voando,
O saci
sai se arrastando,
Fingindo
que estava morto.
53
As
almas que ali voavam
Foram
prostradas no chão,
Umas
desapareceram,
Outras
pediam perdão,
O padre
observava
Aquilo
que se passava,
Demonstrando
emoção.
54
E para
complementar,
Ele
pega a agua benta,
Joga
sobre o despacho
Dizendo
vê se aguenta,
Tens
que ir lá para traz
Comida
do satanás,
De ti
ele se alimenta.
55
E
durante alguns segundo
Que
durou uma eternidade,
Não se
ouvia um só pio,
Naquela
comunidade.
O padre
e o sacristão
Unidos
se deram as mãos,
Festejando
a liberdade.
56
Aparece
o pai da mata
Todo
vestido em veludo,
Na mão
direita arco e flecha,
E na
esquerda um escudo,
Veio
num cavalo alado,
E a Cabra
preta ao seu lado
Chegava
o final de tudo”.
57
Então
para demonstrar
Que o
caso era verdade,
Vovó mostrando
o dedal,
Falou
com tranquilidade,
Esse
dedal que eu estou,
O pai
da mata deixou,
Pra
proteger a cidade.
58
Ele
entregou para o padre,
E
quando o vigário morreu,
Entregaram
ao guardião,
Que com
ele é quem sofreu,
Agora
ele está na mão,
Da
filha do sacristão,
Que por
acaso sou eu.
59
Alguns
pegaram o dedal,
Queriam
pô-lo no dedo,
Outros
nem chegaram perto,
Porque
tremiam de medo,
A vovó
toda contente,
Com um
sorriso diferente,
Por
revelar seu segredo.
60
No
local que era a mata,
Construíram
um campo santo
A noite
quem tem coragem,
Nem
passa naquele canto,
Quem
passa conta bravata,
Diz que
viu o pai da mata,
Naquele
local sacrossanto.
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